terça-feira, 17 de junho de 2008

bagaço #10

Uma pessoa quer sentir-se bem na sociedade, pensar o melhor dos restantes indivíduos, acreditar na natureza genuinamente boa da alma humana, ponderar a hipótese credível de que ao fim de dois milhões de anos de crescimento civilizacional o Homem já aprendeu a discernir o que poderá irritar o outro. Infelizmente, no momento em que vamos pagar as compras no supermercado, este optimismo serôdio escorrega para o esgoto. Mulheres, mulherzinhas que demoram uma eternidade a tirar a carteira da mala (em vez de já a terem preparada para de lá tirar o dinheiro, não, é só quando a conta é apresentada é que elas se dignam a retirar, com o maior dos vagares, a dita), que começam a falar com quem está na caixa sobre as suas vidas, sobre o tempo, sobre os correios, sobre aquela criança que está raptada, até, pasme-se, sobre o caralho da "selecção nacional", isto enquanto metem as comprinhas no saco, indiferentes à paciência de quem está na fila, à espera de ser atendido. E falam, e falam, e falam, pedem-lhes uma moeda de cinco cêntimos e elas aproveitam e descarregam autênticos testamentos conversatórios. Quem está atrás vai se imaginando como o Michael Douglas do Falling Down, vai-se controlando, pensa nas aulas de sociologia e psicologia que analisavam estas questões, tenta até compreender a possível solidão de quem só tem naquele momento a hipótese de desabafar o que lhe vai no interior. Mas o egoísmo irritante prevalece, e já só faltam cinco minutos para começar o jogo da Mainschaft, e eu ali a ouvir histórias sobre bebés que se borram de noite e cospem leite pelo nariz. Vá lá que o Ballack mandou um balázio, e tratou de me acalmar os nervos.