domingo, 8 de junho de 2008

bagaço #3

[...]. Agora um levantamento pitoresco sobre o uso do automóvel no Portugal de inícios do Séc. XXI. Por alturas da realização de competições internacionais desportivas como os extintos Mundial e Europeu de futebol, o povo português, inebriado com a prestação do clube de Scolari (ou equipa nacional, como alguns lhe chamavam), festejava uma vitória nestas provas das mais variadas maneiras, sendo que uma das mais peculiares era a buzinadela do carro. O processo era simples: ligava-se o carro, colava-se-lhe uma bandeira ou outro artefacto nacional, percorriam-se as estradas do país (estreitas ou largas) sem destino previsível, e buzinava-se destemperada e repetidamente. Este ritual surgia muitas vezes por osmose, em que os indivíduos seguiam as pisadas de vizinhos ou amigos para não lhes ficarem atrás, assim lhes mostrando que também eles podiam buzinar com ganas e muita força, até, se possível, a bateria do carro ir abaixo. Adicionado ao buzinão, havia o complemento gritaria com a cabeça fora da janela, tecendo-se loas e orações ao feito patriótico. Esta celebração não surgia apenas com a vitória na final da competição, mas após qualquer vitória sobre qualquer adversário, fossem selecções potentes como Itália ou Holanda, ou mais modestos conjuntos como o Burkina Faso ou a Turquia. Este comportamento sociológico-festivo teve o apoio da maioria dos portugueses, mas alguns intelectuais, agastados com tanta excessiva demonstracção de fervor, apelidavam tais manobras de pão e circo; outros duvidavam que o elevado preço da gasolina ( então o principal combustível automobilístico) seria assim tão nefasto para a carteira lusitana; e os mais coléricos, como o autor de um obscuro blogue da época, Bagaço Matinal, não se coibíram de chamar aos festivaleiros uns "filhas da puta duns azeiteiros". [...].

José Luís Da Silva Gasset, Grande História do Automóvel na Lusitânia, 2146, Edição Leya.